Resumo a economia das trocas simbólicas de Bourdieu

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.
Neste texto o autor busca compreender os fatores sociais da excelência escolar, demonstrando como a instituição educativa se articula ao sistema social mais amplo, reproduzindo sua lógica e organização dentro de práticas escolares tidas socialmente como neutras, no caso as aprovações. Isto significa que os aspectos externos ao individuo possuem um papel importante no desempenho escolar, desvelando que este não é somente um fruto de uma competência cognitiva ou psíquica descolada das condições materiais.
Assim, Bourdieu demonstra, através da análise dos laureados no concurso geral francês do ensino secundário, que permite o ingresso na universidade, como os resultados obtidos individualmente pelos alunos não expressam apenas um índice individual, mas um desempenho possível, ou explicável, a partir das características sociológicas do alunado.
Metodologicamente, o autor realiza uma leitura estrutural das relações estatísticas, buscando situar os índices dos alunos dentro de sistemas e grupos montados a partir de um conjunto de características sociais sistematicamente associadas.
Os resultados da pesquisa indicam como fatores sociais envolvidos na excelência escolar: a origem social de classe do alunado ou sua posição enquanto fração de classe. Assim, os aprovados nos cursos mais prestigiados tendem a pertencer as classes mais altas e mesmos os aprovados de classe economicamente inferior expressam uma posição privilegiada dentro de sua fração de classe – a exemplo os filhos de professores.
Para Bourdieu a forma como esta seleção é compreendida pela sociedade – como exclusivamente centrada na competência individual do sujeito - tende a ocultar pela desigualdade da seleção a desigualdade diante da seleção, ou seja, como a seleção presume a diferença individual não se percebe que essa diferença é também produzida socialmente. O sistema de ensino atribui portanto, a fatores naturais desigualdades sociais e termina por reproduzir e legitimar a divisão de classe social, transformando privilégios sociais em privilégios naturais. Privilégios de nascimento em inatos.
Nesse processo de falsa neutralidade as práticas escolares terminam por desempenhar um papel de inculcação ideológica da divisão social e uma fonte de aceleração de privilégios, através do crédito social advindo dos títulos escolares. Daí o valor da precocidade.
Enquanto fonte de obtenção de crédito social a escola se converte numa instituição que produz um bem, ou capital legitimado socialmente. A este Bourdieu denomina de capital simbólico. Este capital simbólico se liga as práticas mais legitimadas socialmente.
Historicamente os sistemas simbólicos dominantes expressam a visão de mundo das classes hegemônicas. A escola expressa então uma opção de classe, que dentro de uma luta histórica pela hegemonia, se converteu ideologicamente na opção de toda sociedade
Neste contexto, o professor surge investido numa autoridade pedagógica, como conservador dessa cultura considerada legitima, mas que não representa a cultura de toda a sociedade. Por isso, a cultura universal que é dever da escola difundir não é absorvida igualmente por todos os alunos, que expressam a desigualdade e a diversidade social.
Daí o sucesso dos alunos de origem social elevada, pois a escola surge como um continum da educação familiar É o gosto e as práticas desse grupo dominante, suas disposições duradoras em relação a cultura, a linguagem, ao saber que se encarrega a escola de difundir. A estas disposições Bourdieu denomina de habitus. São pois, os habitus da classe dominante que permeiam o espaço escolar.
Em sentido contrário, os alunos de origem social menos privilegiada chegam a escola com uma visão de mundo, práticas, gosto cultural e até uma linguagem diferenciada da aceita no espaço escolar. O resultado: o sistema legitima a divisão social, pois até os alunos de camadas populares que evoluem no sistema escolar representam uma fração de classe que aceitou a cultura escolar ao absorver sua ideologia classista. Essa aceitação do aluno é que permite sua permanência na instituição, materializada na sua aprovação entre os níveis.
A escola ao comandar a sua seleção controla sua própria reprodução. Ao final “A escola escolhe os que a escolhem [os em conformidade] porque ela os escolhe” (p:250). A prática da seleção permite ao sistema educacional tanto desempenhar seu papel ideológico, de instituição neutra e baseada no mérito, quanto sua função legitimadora, por destacar os alunos de origem social mais favorecida, perpetuando a hegemonia de classe, e garante sua própria reprodução, afastando os indivíduos menos ajustados a sua organização e ao fazer isto diminui a capacidade de autocrítica do sistema. Um reflexo social da ideologia escolar é o valor que esta formação irá ter para as classes médias que vêem nesta um caminho de ascensão social. E dentro das classes superiores apenas as frações de classe intelectuais é que valorizam a escolarização, uma vez para as demais a manutenção de sua posição social prestigiada é garantida por outros meios diferentes do escolar.
Apesar de ser utilizada pelas classes subalternas como caminho de ascensão social não basta a esta classe o mero aceite da ideologia escolar, pois os habitus que a escola valoriza não são necessariamente garantidos de serem obtidos no espaço escolar. Dar a reconhecer não é, neste caso, o mesmo que dar a conhecer. A escola demonstra qual a cultura valoriza, mas muito do que valoriza não é garantido pela simples vivencia nesta instituição. Ou seja: a escola demonstra o que quer, mas suas práticas dificilmente garantem uma real aquisição do que valoriza. É cobrado ao aluno o que não é dado pela instituição.
Essa aparente contradição se liga ao papel ideológico e legitimador da escola na divisão social da realidade. Assim, a escola valoriza não apenas o que se adquiriu, mas como se adquiriu, avaliando mais positivamente quanto mais natural é seu uso. Ora, como explica Bourdieu essa naturalidade valorizada pela escola só é possível por uma educação mais espontânea, mais familiar e menos escolarizada. Assim, a própria escola exprime o aluno ideal que deseja nos bancos escolares. O resultado: aos pretendentes a ascensão social só resta uma dura e laboriosa caminhada num “um esforço contínuo e persistente a que se vêem obrigados para que possam se manter no sistema”( p260).
Isso demonstra que a própria ideologia de ascensão social através da escola, que fundamenta a boa vontade cultural e a docilidade dos alunos das classes médias e de frações da classe operária mais privilegiadas, só é possível num esforço de inculcação homérico que ao final legitima os processos de consagração e reconhecimento escolares, pois os alunos terminam por se autoperceberem como tenazes, persistentes, devotados, etc. numa naturalização das barreiras sociais e da divisão de classe. Ao final “o sistema de ensino se reproduz ao reconhecer os que o reconhecem e ao consagrar os que a ela se consagram” (p265) e neste processo esconde sua função reprodutora e legitimadora das desigualdades sociais. O conhecimento que pretensamente humaniza e amplia a capacidade de crítica e criatividade do sujeito, na prática cristaliza uma opção histórica.
Palavras-chaves: habitus, sistema escolar e divisão de classe.

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